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7 - A fuga dos sapitos.


Um dia, logo cedinho, Marieta caçava lagartixas na horta. Enquanto isso conversava com seus bigodes: " Pelos passados não movem moinhos... pelos passados não movem montanhas... pelos passados... ai, que saudades de meus pelinhos..."
Novamente haviam lhe tosado a longa pelagem. "Dizem que com todo esse calor o pelinho curto serve melhor. Só espero que a lesminha não venha fazer outro cachecol.".

Ao fim desse monólogo, enquanto esperava a lagartixa descansar para continuarem a brincadeira,   um movimento diferente na horta chamou sua atenção. Reparou que os dois sapos se inquietavam...
A curiosa gatinha os viu cochichar com a aflição de sapos desconfiados. Bem diferentes de como são todos os dias, pois o que eles gostam mesmo é de ficar saltando pela horta, comendo os mosquitinhos e bebendo a água do orvalho caída nas folhas de alface.
Contudo, naquela manhã nada disso aconteceu.

"Bom dia Sapitos. Acordaram doentes?" Perguntou Marieta. A sapita foi a primeira a responder:
"Não, não... estamos ótimos! Continue sua caçada às lagartixas..." E o sapato completou: "É Marietinha,  estamos bem! Só acordamos sem fome hoje. Vai, vai! Não perca seu tempo! Vá logo atrás das lagartixas!".
"Quanta agonia! Quanta rabugice!" Pensou a gatinha se afastando de lá com a pulga atrás da orelha... Estava desconfiada: "Por que cochicham tanto?" Pensou. "Acho que têm algum segredo...".
Marieta voltou aos seus afazeres matinais. Caçou lagartixas, andou pela horta catando guaxumas com a vovó, até que o soninho tomou conta e, então, resolveu dormir perto dos sapos, à sombra das bananeiras. 
Assim que ela dormiu os dois sapinhos tiraram um carrinho escondido detrás da moita de cebolinhas e pularam dentro dele sem fazer nenhum barulho.
Ninguém sequer desconfiou que, no meio da horta, os sapitos fizeram uma oficina genial para construir aquele carro.
Nem mesmo Joaquina e sua visitante, Dona Rará, a arara vermelha, que às vezes ia visitá-la para ter um bico de prosa.
Mas, tudo começou assim:
Os sapitos ficaram muito tristes, quando foram trazidos à praia pela vovó. Ficaram tão contrariados que sua vontade era voltar para o cerrado o quanto antes. "Aquilo sim era terra de sapos! E não a praia de águas salgadas." Pensava o sapito, marido da sapita.
Logo que desceram do caminhão de mudanças começaram a construir um fusca com que pudessem viajar de volta.
Os sapos sabidos, de tão sapecas, tiveram a brilhante idéia de construir o fusquinha com a casca dura do coco.
Tanta sabedoria assim, nem a coruja Dona Judite!

Primeiro se ocuparam por muito tempo pensando em como construir primeiro uma oficina e, depois de pronta, iniciaram a fabricação do carro aproveitando cada pedaço de coco que aparecia e neles esculpindo as peças necessárias: farol, parachoques, paralamas, maçanetas, rodinhas e tudo o mais.
Trabalharam meses e em todo esse tempo nem se deram ao trabalho de conhecer os arredores. Eles só queriam voltar para o cerrado e, como essa idéia era fixa,  não entravam e nem cabiam outras idéias naquelas cabecinhas verdes e duras. Foram esculpindo e montando ao ritmo da passagem das nuvens, da lua e do sol, no ir e vir do movimento de cultivar a horta, dos tomates surgindo, das bananas madurando em cachos, das flores de abóbora, o crescer do capim cidreira tão docinho para fazer o chá...
Quem poderia avaliar o quanto de nuvens passaram, ou quantos tomates maduraram até o fusquinha ficar pronto?
Mas tudo foi feito e o carro ficou pronto Nesse dia a alegria tomou conta dos sapos trabalhadores.
"UuaaU! Ficou uma belezura, uma obra artesã - O nosso Fuscoco!" Disse o sapo orgulhoso e feliz.
Agora poderiam partir quando quisessem. E foi isso que fizeram. Aproveitaram que o Sacifreuderê saiu para sacizar, a Marietinha estava dormindo e a Frida saíra em busca dos ossinhos de frango e costelinhas deliciosas que os banhistas deixavam na praia.


"É agora! Vamos pular para dentro do fuscoco, enquanto o caminho está livre."
Dona Rará atenta a tudo, ficou admirada ao ver dois sapos dentro de um fusquinha... " Ô Sapito! Onde vão com essa engenhoca?" Perguntou ela.


" Não é engenhoca Dona Rará... É o fuscoco, minha nova invenção! Tchau!"
E sem perda de tempo saíram em alta velocidade naquela beleza de carrinho, antes que as araras fizessem mais perguntas e descobrissem sobre seu plano de fuga.

Quando alcançaram a rua viram o mar pela primeira vez...

Pararam boquiabertos para olhar aquela imensidão de água azul esverdeada. Diante do imenso mar eles entenderam, enfim, porque todos gostavam tanto dali.
"Que pena não poder nadar em água tão azul! E, de tão bela, posso até imaginar que é doce..." Disse a Sapita encantada. Mas o sapo respondeu : "Isso não é para nós! É água salgada! Vamos atrás de lagoas e rios, pois essa sim é a nossa natureza".
Mas no fundo, bem lá no mais fundo do fundo que nem ele percebia, o sapito se entristeceu por ir embora, agora que vira o mar...



Após os momentos de contemplação encheram-se de ânimo e  começaram a grande viagem de volta ao cerrado. Eles não precisavam levar malas nem matula, pois roupas não usavam, e para comer não lhes faltariam os mosquitos, formigas e quaisquer outros bichinhos suculentos.

Levavam consigo a brandura da esperança de que encontrariam água pelo caminho, tanto água de beber, quanto água de nadar.




Tomaram rumo e, depois de muito viajar, sob o sol que os ressecava, avistaram a Lagoa azeda.
"Que delícia - disseram em uníssono- vamos nadar nessa lagoa!"

Próximo à lagoa morava um jegue. Ele nunca tinha visto um fuscoco e nem sapo dirigindo. Aproveitou para travar conversa com os sapitos. "Diiia! Os dois são novos moradores da lagoa?".
O sapito, desconfiado,  respondeu que não. Só estavam de passagem, a  caminho do planalto central.
"Vão deixar essa linda lagoa ladeada pelo mar? E tantos vizinhos sapos teriam aqui!"Mas os sapitos não acreditaram naquela conversa do Jegue.
Como o mar, de água salgada poderia estar ao lado da lagoa de água doce? Como sapos poderiam viver ali?

O jegue achou por bem que eles vissem com os próprios olhos sugerindo: "Vão até a outra margem da lagoa e vejam o que há ao lado..." E eles foram ver, pois queriam acreditar no que dizia o jegue.
"Poxa! É verdade! Aqui tem mar, mas tem a lagoa junto! Se outros sapos vivem bem aqui... Uhm, nós também podemos ficar." Disse a Sapita contente com essa possibilidade.
"Nada disso - respondeu firme o Sapito - Mar não é lugar para sapos. Está decidido. Continuaremos a viagem.". A sapita animada tentou argumentar:  "Mas..." E o sapo rabugento interrompeu dizendo:  "Chega dessa história!  Quem sabe da vida de sapo é sapo. Jegue não entende de nada e quer se meter nos mostrando aquilo que não queremos ver!". Pulou para dentro do fuscoco e saiu acelerado cantando pneu e soltando fumaça. 
E o jegue pensou : "Valha-me Deus! Que sapito azedo! Mas, sabe construir um fuscoco como ninguém..." Assim, ficou olhando o belo carrinho até desaparecer por trás de uma duna a beira mar.
Enquanto isso, lá na horta...
Marieta acordou da soneca sob a bananeira. Abriu os olhos preguiçosos, que logo se arregalaram, quando  percebeu a Sapolândia deserta.  As araras esclareceram: "Saíram para passear no Fuscoco, enquanto você dormia". "Mas o que é um Fuscoco?" Perguntou a gatinha que até então não sabia da existência dele.


Um beija flor caladão, que vivia empoleirado no muro observando dia e noite todos os movimentos da horta e do pomar resolveu abrir o bico contando à Marietinha tudo que viu: "Desde que chegaram, no caminhão de mudanças, começaram a construir um carro feito da casca dura do coco para voltar ao Planalto Central. Estando  pronto, esperaram você dormir e seguiram estrada à fora, sem que ninguém os descobrisse. A essa hora estão muito longe".
"Como assim?" Perguntou atônita a crédula arara Joaquina. "Disseram que iam dar um passeio no novo carro... Ãan! Como nos enganaram direitinho..."  
   
"Ah, se fugiram, então não estavam felizes. " Concluiu Marieta.  E tratou de ir procurar por eles.










Perguntou ao Pocotó que, relinchando, disse ter visto um carro piquititinho em alta velocidade e cantando pneus.
O cavalo fez um volteio com a cabeça, esticou os beiços na direção tomada pelos sapitos motorizados indicando o caminho.
Fridoquinha, quando soube da fuga dos sapitos, combinou com Marieta e Sacifreuderê uma expedição para encontrá-los.









Eles eram seus amigos e confidentes, Fridoquinha sentiria muita falta, caso não voltassem. Precisavam encontrar a dupla saltitante, já que em nenhum outro lugar seriam tão queridos.
Subiram num barco encalhado  e quando a maré encheu levou os três mar adentro de vento em popa.

Marietinha ficou enjoada e Sacifreuderê avisou: "Náuseas Marítimas. Enjôo pelo balanço do barco navegando de encontro as ondas. Mas que barbaridade!  Estás amarela feito grão de milho! Deixe, deixe Marietinha,  deixe que vou à frente amansando as ondas do mar, para o barco passar!" E voou até a proa. Soprou cada uma das ondas que passavam.





Frida e Marieta se entusiasmaram com a solução do Sacifreuderê. Afinal, coisas de Saci são mesmo especiais. Enfim, depois de muitas sopradas sacizísticas o barco chegou à praia de Lagoa Azeda. Joaquina, que voara na frente por toda a costa  para procurar os dois sapinhos viajantes, avistou o fuscoco na praia e foi avisar Freuderê.
Mas nem ela  imaginara que os encontrariam numa situação de emergência. 
O que aconteceu, quando os sapitos saíram à toda velocidade da Lagoa Azêda, atravessaram para o outro lado da duna margeando a praia e o sapito, na alta velocidade com que dirigia, não teve tempo para frear o fuscoco e cairam do alto da duna direto na praia. Os pobres sapitos ficaram atolados, presos na areia, e eram tão pequeninos que os pescadores, trabalhando ali perto, não os viram e nem ouviram, por mais que coaxassem pedindo ajuda.

"Agora encrencou! - Disse o sapito - A maré está subindo e nos alcançará. Precisamos sair logo daqui, do contrário o mar nos engolirá e ficaremos lá no fundo para sempre, ou seremos comidos pelo tubarão!"
Acelerou o fuscoco o quanto pode, mas a cada acelerada o carrinho ficava mais atolado. Estavam sofrendo com o sol e o sal da maresia a lhes queimar a pele frágil.
O mar avançava cada vez mais rápido assustando os dois: "Bem que nossos tatará, tatará, tatará, tatarávós fugiram desse lugar. Que calor! E estamos despelando!"
Tinham toda razão. Era uma judiação ver os dois tão despelados e presos nas areias molhadas.
Em meio a tanta aflição, nem perceberam o barco dos amigos chegando para os socorrer. Logo Marieta, Frida e Freudão aportaram e num instante tiraram os dois daquele atoleiro. "Por que não nos avisaram? Teríamos ajudado vocês nesta viajem." Disse o Freudão.  Mas o sapito respondeu: "Vocês não nos deixariam partir. Por isso construimos o fuscoco atrás da moita de cebolinhas! Precisamos voltar para o cerrado em busca de água doce, do contrário poderemos morrer secos." "Mas que barbaridade tu estás dizendo guri! Pois isso é o que não falta por aqui! Até no nome tem água: A L A G O A S. Viu? esse é o lugar das lagoas." falou o Sacifreuderê, e a sapita respondeu: " É mesmo, vimos muitas lagoas durante a viajem até aqui. Cada uma mais linda que a outra, mas pensamos que só havia água salgada..." E o sapito completou: "É mesmo! O jegue da Lagoa Azêda nos mostrou que ali, ao lado do mar, moravam muitos sapos como nós, mas eu não quis nem saber. Agora, que fiz o fuscoco e saímos para viajar precisamos ir adiante e terminar o que começamos!" 
Marietinha novamente pensou que os sapitos estavam tristes de verdade e disse: 
"Acho que eles estavam pensando na terra das A L A G O A S  de trás para frente. Assim pensaram que estavam em  S A O G A L A.  Mas agora viram tantas coisas lindas e tanta água doce que já não precisam mais ficar tristes e ir embora. Já sabem que as águas das lagoas não irão S A O G A L O S." 
Fridoquinha  aproveitou a chance de dizer o quanto gostava deles e pediu: "Se vocês quiserem ir, vão, mas eu ficaria muito feliz se ficassem conosco.".
"Eu sei Fridoquinha, também sentiremos sua falta, mas agora já é muito tarde, tudo está feito e não podemos voltar atrás!" 
E o bom e velho Sacifreuderê emendou: "Bah! que sapo chato! ficou tanto tempo com essa idéia fixa na cabeça que nem viu quanta água boa tinha ao seu redor!" Nesse momento a sapita, triste por não poder ficar, falou: " Eu quero ficar! eu quero ir para o mangue da Dona Judite! Também quero ser amiga daquele jegue! Quero pular, tomar banho na lagoa e brincar! E também quero todos os dias chegar pertinho da praia para ver o marzão!"
O sapito, que não queria dar o braço a torcer, acabou achando graça da sapita. Viu que tudo poderia ser diferente, caso ele tivesse outras idéias naquela cabeça dura. Quem sabe caberia a idéia de poder voltar? E pensou: " Na verdade quando vi o mar pela primeira vez pensei em ficar, mas temi desistir depois de tanto trabalho."
Assim, os sapitos voltaram para a casa da vovó no fuscoco, mantendo distância das areias molhadas da praia para não atolar! E por via das dúvidas Joaquina resolveu acompanhá-los voando atenta junto a eles.
Quanto à Marietinha, o Sacifreuderê e a Fridoquinha velejaram de volta para casa, felizes  novamente em ter por perto os amigos sapitos.


E assim terminou aventura sensacional da fuga dos sapitos. 

Créditos :

  1. As esculturas das araras são do Nino, artista plástico de Olinda, PE. Esculpidas em madeira de coqueiro.
  2. O fusca foi feito por um artesão de Paripueira, AL.
  3. O casal de sapos são de Tracunhaém, cidade das esculturas, PE.
  4. As fotos da lagoa foi tirada em Lagoa Azeda, ou na lingua do Curupira Ypanema, e também em Japaratinga, no Estado de Alagoas.