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1 - O Monstro amarelo que solta fumaça pelas ventas.


Era uma vez uma gatinha ruiva de longos pelos malhados e uma juba muito grande.
Numa bela manhã de outono, quando as folhas começaram a cair das árvores e cobrir de cores o chão, a gatinha Marieta esperou deitada, sobre a relva verdinha, a chegada do sol a derramar reflexos dourados nas árvores ao redor. Tudo era luz. Tudo brilhava!
E eram assim os seus dias...
Nas primeiras horas da manhã caçava lagartixas em todos os cantos em que as pobrezinhas tentavam se esconder. Vez ou outra pegava alguma e... – "NHAM! Que sabor especial!" dizia após comer o bichinho verde-cinza. Depois, de barriguinha cheia, rolava na relva fresquinha sentindo ainda as gotinhas de orvalho caídas da noite.
Então ela corria até o jardim, onde robustas Lobeiras a esperavam com sombras generosas para refrescá-la.
Junto a elas havia também um pé de Murici que abrigava em seus galhos a casinha de madeira onde Marieta dormia quando as tardes estavam ensolaradas.
Dona Sabiá, que por ali cantava na primavera disse ver sempre, nas viagens que fazia sobrevoando as florestas do Cerrado, o Lobo Guará comendo e se fartando das frutas da Lobeira. – "É o que ele mais gosta de comer!" Alertou. Por muito tempo a gatinha teve medo de que o Lobo viesse naquelas paragens e a comesse. Mas o tempo foi passando e ele nunca apareceu... – "Ah! Deve ser conversa fiada de Dona Sabiá". Assim pensando transformou aquele jardim numa das suas deliciosas paragens de descanso.
Nem sempre a gatinha Marieta viveu ali. Antes, num tempo longínquo, ela viveu no meio de uma cidade com muitas árvores e pássaros, mas que não conseguia alcançar.
Ela e o Freud, seu grande amigo felino, viviam deitados no parapeito do apartamento observando o movimento na rua e os passarinhos que vinham bem pertinho, protegidos pelos cobogós do prédio, cantarem para os aprisionados gatinhos.

Marieta e Freud não eram infelizes naquele lugar. Mas agora que aquele tempo passou a ser lembrança, corriam do pomar ao jardim em busca de aventuras. Quantas traquinagens podiam fazer! Isso sim era felicidade!
Tempos depois outro bichinho se juntou a eles. A cachorrinha Frida.
Souberam que Frida morara numa gaiola de orfanato para animais. Tinha tanto medo de tudo e de todos... Marieta se entristecia só de pensar na judiação que fizeram com a pobrezinha...
Agora a Frida sofrida já não sofria mais. Recebeu carinho e amor naquela casa encantada onde sempre parecia ser primavera.
Freudão e Marietinha ficaram felizes com a chegada de Frida e andaram com ela nos lugares que mais amavam: O pomar, o jardim, a toca escondidinha, onde Freud jurava ter visto uma pequenina família de Sacis...

A Frida ficou tão alegre com sua nova casa e com seus novos amigos que nunca mais chorou. Agora podia fazer o que mais amava na vida: correr, brincar e enterrar ossinhos de galinha.
"Bem-te-vis, Sanhaços, Quero-queros e Andorinhas. – Ah! Um pequenino Beija-flor sugando o mel da Caliandra! – A flor mais bonita que eu já vi.".

Marieta, concentrada em seus pensamentos, viu o passaredo voando prá lá e prá cá, quando percebeu um movimento diferente que despertou sua atenção. foi então que, de repente, houve um pandemônio, um corre-corre e muita confusão. A poeira rodopiou no ar, os grilos cricrilaram agitados, Dona Judith, a Coruja, recolheu apressada seus filhotinhos.

O Sr. Quero-quero convocou a ninhada para bater em retirada. Dona Cobra Jararacuçu esqueceu que era tão venenosa e humildemente se juntou aos Preás e ao Tamanduá Mirim na correria. O barulho era assustador e todos correram em debandada. Marieta entendeu que algo muito grande e feroz se aproximava. Perguntou à Sinhá, a sabiá – "O Lobo chegou"? E Dona Sinhazinha respondeu: – "Não é o Lobo Guará, não. É um dragão amarelo que solta fumaça pelas ventas. Não estás ouvindo o Barulho? Voarei o mais alto que puder! Aconselho que faças o mesmo. Assim dizendo mirou o horizonte e partiu a toda velocidade.
Mas Marietinha, apesar de sempre ouvir o Freud dizer a ela "Espirra e voa!", quando ficava mal humorado, não sabia voar e como nunca ouviu falar do tal dragão fumegante ficou curiosa e esperou para ver do que se tratava.
O barulho estava cada vez mais forte. Logo enxergou no meio da poeira marrom uma figura com uma boca enorme comendo tudo que via pela frente.

– "O lindo pequizeiro cheinho de flores, coitado, já quase ancião, foi parar na boca do monstro amarelo.
Quanta destruição! Que bicho ruim, malvado demais.
Será que não tem pena nem consideração com tantas vidas? Aliás, está me parecendo que esse monstro usa peruca! Olhando assim mais de perto... Huumm, não sei não... Parece que precisa esconder sua careca. Tenho certeza que se o Freudão estivesse aqui agora não permitiria tanta destruição. "Enfrentaria o dragão guloso dando-lhe patadas nas fuças e tiraria a peruca dele e certamente sem sua peruca o dragão amarelo perderia sua gula.
Mas naquele dia ao cair da tarde, o céu sempre rosa e lilás do poente refletia um tom alaranjado de poeira. Era a triste visão do rastro deixado pelo monstro.
Freud passava sempre os dias na toca perto do rio, porque ficava escurinho e gostoso demais.
E, como fazia todos os dias às seis horas da tarde, chegou cantando para chamar Marieta:

🎈 ♬♩ ♬♭

"Marieta, porpeta, fofeta, chereta,🎈
Lindoca, fofoca, paçoca, cheiroca!"♫♪
🎈 ♬♬
"Ora, ora! Tem algo muito estranho acontecendo aqui... Cadê todo mundo? Huumm...
Mas... O que foi que aconteceu? Calamidade! Quanta destruição!" E foi tomado de uma tristeza tão profunda diante de tamanha devastação, que quase desfaleceu...

Logo chegou a cachorrinha Frida que, no meio da confusão, correra para bem longe dali junto com o assustado Lobo Guará.  
Ela propôs que todos se reunissem para tratar do assunto, afinal, eles eram tão inteligentes e certamente encontrariam uma solução para barrar o monstro guloso. Todos osbichos da região foram chamados: Os macacos e micos que moravam na mata próxima; a família Preá vinha em fila; o Tamanduá Mirim; o passaredo todo inclusive asDonas Araras que vieram de tão longe para participardo importante colóquio;
Dona Cobra, que depois de tamanho susto ficou calminha e quis participar; Até Dona Suçuarana, com seus dois filhotinhos, veio prestigiar.
 

Marieta, que ficara por ali e a tudo presenciou, começou a falar:
"Como todos vocês eu também fiquei apavorada! O enorme Dragão tem poderes maléficos. Nunca vi nada igual nesses longos seis anos de minha vida. Nem quando tive meus bebezinhos e recebi a visita do Sr. Gavião, que estava com grande apetite, tive tanto medo, porque a natureza ensinou a me defender dele e, no entanto, diante deste monstro fumegante me senti sem defesas. Mas passado o primeiro susto me escondi na casinha da árvore e de lá tudo observei. Percebi que o monstro usa peruca e parece que é da peruca que lhe vem as forças gulosas!"
Todos estavam inconformados com o poder de destruição do monstro amarelo com fuças fumegantes e usando peruca.
A bicharada ficou surpresa com tal revelação.


Foi então que o mestre Pica-pau interveio dando a solução:
– "Sendo assim, Dona Marietinha, eu enfrentarei o Dragão amarelo sobrevoando sua cabeça e lhe arrancando a cabeleira!" A assembléia aplaudiu a coragem do Sr. Pica-pau e em coro gritou: "viva! Viva!". Assim ficou resolvido e assim foi feito. De outra vez em que o Dragão se aproximou foi surpreendido pelo pássaro aloprado de crista vermelha, que num vôo rasante conseguiu com maestria arrancar-lhe a força cabeluda.
 
Todos ficaram felizes com as peripécias do pica-pau. Novamente a vida estava sempre em azul e rosa. Marieta voltou a caçar lagartixas, dormir na casinha da árvore nas tardes ensolaradas e brincar com seus amigos queridos.


FIM