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6 - A formiguinha de catarro



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A chuva que chovia há tantos dias levou embora o inverno e deu entrada à primavera de sol dourado,  esparramando na relva o seu fulgor.
Durante o inverno, as formigas ficaram no formigueiro, mas nesse dia voltaram a passear na horta e pareciam famintas.
Marietinha gostava de observar os movimentos daqueles pequeninos seres que mais pareciam pontinhos pretos inquietos.


Ouviu quando a formiga rainha mandou um batalhão de formiguinhas até a cozinha, aproveitando o pote de açúcar esquecido aberto.
Marieta  atenta ao estratagema da rainha,  pediu à Estrelinha, filha dos sapitos nascida tão logo voltaram da viagem no fuscoco, atenção e vigilância, e que protegesse o açucareiro com unhas e dentes do ataque das formigas.

"Mas, Marietinha,  eu não tenho nem unha nem dentes!" Disse Estrelinha, " Porém usarei minha língua de sapo para comer qualquer uma que quiser roubar o açúcar da Vovó."


"Tudo bem,  Estrelinha, mas não precisa exagerar. Só coma se estiver com fome. Acho que bastará saltar para a elas espantar."
Assim dizendo, Marieta resolveu ver de perto a ousada empreitada da rainha. Subiu no muro e ficou olhando o movimento no formigueiro.

Mas o passa-passa das incansáveis formigas não tinha fim. "Mal consigo entender o que dizem, tão rápido e tão baixinho  elas falam. Parecem dizer: ' olhe, ali tem comida para carregar! E a outra deve responder assim: Não,  não tem não! ' E ficam parando e conversando, parando e conversando... Ai, que soninho isso dá."
Porém, uma movimentação diferente chamou sua atenção.  Trocou o soninho pela curiosidade tratou de ver que fuzuê era aquele!
Houve uma explosão no formigueiro. As pobres formiguinhas estavam em polvorosa. Assustadas, mas não por desconhecimento. Sabiam que, quando esses terremotos aconteciam, era porque a Formiguinha de Catarro estava gripada!
"Valha-me santíssima rainha das formigas!" Dizia uma formiguinha, enquanto tantas outras gritavam aos quatro cantos do buraco. A rainha formiga ordenou: "Corram para lugar seguro que a terra está desabando! Encontrem a Formiguinha de Catarro e retirem do formigueiro o mais rápido que suas perninhas puderem! Outro espirro igual a esse fará ruir tudo e, então,  será o nosso fim!"
Não foi difícil atender a ordem da rainha mãe,  pois naquele instante a própria formiguinha se preparava para sair de dentro do formigueiro pulando com auxílio da força do seu espirro. A formiguinha de catarro mirou a saída mais próxima e no espirro seguinte...

E lá foi ela voando do fundo do buraco ao chão caindo direto no coqueiral, perto do filhote do Pocotó. 
O barulho chamou a atenção do Sacifreuderê. Ele se aproximou e perguntou a ela: "Mas formiguinha, o que aconteceu? Como pode um ser tão pequeno causar tamanho estrondo?" E a formiguinha explicou: " Quando espirro, vôo." 

Diante do desalento da formiguinha, o Sacifreuderé disse a ela que aqueles espirros serviriam para levá-la bem longe, pois era muita energia liberada de uma só vez. O que a uns parecia problema, a outros parecia solução. "Trataremos de encontrar um bom uso para essa singular característica...", e tomando a formiguinha de catarro pela mão se aproximou de Frida e Marieta que a tudo presenciaram.
 A formiguinha não poderia voltar para sua casa, enquanto estivesse gripada. Teriam que ficar com ela  até melhorar. E assim fizeram. A noite chegou e a formiguinha continuou espirrando. Ninguém conseguiu dormir com tamanha agitação. Fridoquinha tremia assustada com as explosões de atchin! Pareciam os fogos de artifício tão temidos. 
"Tantas explosões juntas nos fariam chegar à lua!", brincou.
Contudo, Sacifreuderê, que vinha pensando numa forma de usar a força de espirros tão fortes, concluiu: "Mas, que barbaridade Frida! Como tu és inteligente guria! Precisamos dar um jeito de usar a força do espirro como combustível para voar com a formiguinha!". 
Vieram bichos de todos os lados e se reuniram para pensar numa solução, e a animação foi geral. Cada um contou a sua idéia. A formiguinha de catarro, enquanto espirrava, disse que com cada espirro voava um pouquinho,  mas não saberia como fazer para voar muito com muitos espirros.    
Dona Jibóia, que sabe sobre nadar,  disse não ter sugestão nenhuma de como voar.
E nenhum outro bicho ali reunido poderia dar solução,  já que nunca nenhum deles voou até a lua antes.
Precisariam ir atrás de alguém que soubesse.  
"Mas quem?" perguntaram uns aos outros. "Quem conhece um astronauta?".
"Já ouvi falar de Peixonauta, mas nunca vi um." Falou Dona Judite.
E a formiguinha, que por algum tempo acreditou que seu incomodo espirro seria útil, ao invés de provocar destruição, desanimou e chorou copiosamente no colinho do Freudão que a consolou dizendo: " Não se preocupe, prenda minha! Você tem muita força condensada em espirro. Conseguiremos uma maneira de fazer disso um ótimo combustível para voar." Consolada com tais palavras amigas a formiguinha assoou o catarrinho da fuça e disse ao Sacifreuderê:   "Obrigada".
A vaquinha Mimosa, tão delicada ao lado de seu bezerrinho, chorou comovida diante do carinhoso gesto do Sacifreuderê e assoou seu fução com um lençol oferecido pelo galante guaxinim. Enquanto isso, do  outro lado do mangue,  o Curupira observava escondido atrás de um coqueiro.
Como ele tinha a solução, resolveu sair da mata e falar.

Iandé Aimirinatã mobebé abacuara iacitata açú nhomima ypanema S-akitãi airy anima suí sobá soo etá supé Guarinin mocema apoãâ anhangueramirin etá s-etama. iandé a so moîebir ndê ybaka.
Frida traduziu para todos o dizer do Curupira: Você, formiguinha forte, fará voar para ajudar as boas criaturas  filhas da Estrela Dalva que se escondem na lagoa Azêda. Elas, as caras de bicho, buscam por guerreiro fazer sair os muitos diabinhos bigodudos que invadiram a terra deles. Vamos juntos  fazer com que voltem ao céu.
Marietinha se surpreendeu por ver a Frida entendendo tudo o que disse o indiozinho com cabelos de fogo.  Pensou com seus bigodes: "Fridoquinha gosta tanto do Curupira que aprendeu a falar a mesma língua".
O Curupira os levou até a Lagoa Azêda, onde viram algo bem diferente na paisagem
 Era o veículo voador dos Venusianos que o Curupira falara.
Sacifreuderê estava curioso para ver de longe os seres sobre os quais o Curupira falou tão bem.  Pelo sim, pelo não,  seria cauteloso e não se deixaria ver.

Nunca conhecera um venusiano e apesar de ser Saci, às vezes também sentia medo. " E se for o chupacabras? E se quiser me pegar para fazer tamborim de negro gato?". Mas o ousado Sacifreuderê desenvolveu um estratagema para ver sem ser visto. Escondidinho, atrás das cabras, logo percebeu que aqueles extraterrestres não eram os chupacabras... "Se fossem os chupacabras as cabritinhas sairiam correndo, mas elas caminham tranquilas...  Assim, acho que posso confiar nos venusianos. " pensou.
E, em se mostrando, logo os visitantes vieram falar com ele.
Contaram detalhes da destruição e de como os bigodudos estavam tomando conta do planeta Vênus, e  como eles, os venusianos, vieram à Terra pedir ajuda ao Curupira.  Quando se preparavam para voltar ao seu planeta perceberam que o combustível não seria suficiente. Ficaram preocupados, mas agora, com a ajuda dos terráqueos, sentiam a esperança de que daria certo. Usariam a energia dos espirros da Formiguinha de Catarro .  
"Eu não vou junto!" Gritou a formiguinha grudada de medo no gorro do Sacifreuderê.
Só irei se o Sacifreuderê também for... assim ele me protegerá."  Então decidiram que assim seria. A formiguinha espirraria, quando faltasse o combustível, enquanto que o Sacifreuderê e o Curupira expulsariam os saturninos bigodudos endiabrados e os fariam voltar para Sarurno,de onde nunca deveriam ter saído. 
"Veneráveis venusianos, concordamos em ir com vocês,  mas e a Frida e Marieta? Como podemos ir sem elas?" Perguntou Sacifreuderê.  "Mas não cabem todos na nave espacial!", responderam os venusianos. Enquanto pensavam numa solução,  ouviram alguém chamando lá do alto. 
"Ei! Esperem por mim! Não quero perder essa aventura!".
Era a arara Joaquina chegando e pegando Frida e Marietinha para levar à reboque numa kombi amarela linda e confortável com janelas de onde poderiam ver a paisagem espacial. "Precisaremos fazer uma capinha avançada com isolamento espacial para kombi.". E feliz, o Sacifreuderê puxou um fio de seu gorro e teceu a capinha protetora. Assim, Marieta e Frida puderam partir com Joaquina, atreladas à nave venusiana, direto para o espaço sideral.
Com as forças renovadas pela alegria, a formiguinha, grudada no gorro do saci, espirrou dando força na partida. Voaram para além do céu azul, em direção a Iacitatauaçú em língua de curumin, ou Vênus e na linguagem da poesia, chamada Estrela D'alva.
A viagem demorou um pouco por causa dos solavancos a cada espirro da formiguinha de catarro, mas enfim chegaram à Venus.
Sacifreuderê e Curupira desceram da espaçonave decididos a fazer com que aqueles  seres bigodudos atormentadores voltassem para Sarurno.


No dia seguinte - e é bom esclarecer que a noite e o dia em Vênus duram 242 dias terráqueos, então lá em Vênus 24 horas do nosso dia passa  rapidinho para os venusianos - os Saturninos se aproximaram.  Sacifreuderê disse surpreso:   "Baaarrrbaridade! Como esses saturninos se parecem com gatos terráquios!  Então,  no fundo devem ser boa gente. Vamos travar conhecimento e saber o que eles querem, porque invadiram esse planeta e fazem tanta bagunça aqui".
Ele usava traje de astronauta para se proteger da atmosfera diferente. A força gravitacional forte o mantinha preso ao chão de tão pesado estava.  Os saturninos bigodudos se aproximaram sorridentes e Sacifreuderê cansiderou que vinham para brincar. " Por que vocês vieram até Vênus e começaram a comer tudo que encontram pela frente? Não acredito que gatos de verdade façam isso, somos elegantes e despojados demais para agir assim. Poderiam me dizer e depois voltar para Saturno?"
Os saturninos continuavam se aproximando com garras afiadas  a mostra, mas com um largo sorriso no rosto. O Sacifreuderê ficou confuso. " Como? Sorriem para mim, mas as garrinhas estão de fora! Uhn, não sei não, eles estão com um jeito muito esquisito...". 


Então ocorreu o inesperado! O filhotinho pulou no Freuderê e tascou uma mordida em seu rabo. 
"Mas, que barbaridade filhotinho de cruz credo! Tu ainda nem saiu dos cueiros e das fraldas e já é ruim desse jeito?" Tentou afastar o esquizitinho, mas seus movimentos eram tão lentos naquele planeta que, por mais força que fizesse para mexer braços e pernas, só conseguia piscar os olhos - o que para um gato é algo extraordinário, já que  gatos não precisam piscar - tentava lutar com todas as suas forças,  ele não conseguia vencer a força natural da gravidade. 
Os outros três saturninos já lhe mordiam os calcanhos. " E vocês três, heim! Vieram cheios de sorrisos e de salamaleques. Quase me enganaram. Vocês são maus como nunca vi outros! Pensei que fossem gatos, mas até isso é enganoso. Vocês não são o que parecem, por isso são mais perigosos."
Com dificuldades de se mexer não conseguia se proteger. Tentou dar uma bandeirada em um, um soco no outro, mas de nada adiantou. Em Vênus ele se sentia  pesar mais de uma tonelada. 
Que situação difícil! Mas não desistiu. 
Quando Sacifreuderê pensava que não escaparia dos ataques, o Curupira chegou.

Os falsos sorridentes correram para pegar os calcanhares do Curupira também,  mas não conseguiram, pois no lugar encontraram o dedão do pé.
O Curupira aproveitou para dar um pontapé num vivaldino.
Aí, começou o entrevero, que de tão fantástico, como quem narra um causo eu agora passo a narrar:

Desaparece daqui,  aparece acolá,
Planta bananeira com os pés para o ar!
Ligeireza de quem luta na mata
Para defender o que há de bom por lá.


Rodeia no compasso da capoeira,
que dos escravos aprendeu,
Isso já faz tanto, tanto tempo...
Mas Curupira é pé virado
E  o tempo também sabe virar.

Jogou capoeira,  dançou a dança de índio
Pra de bicho ruim se livrar.
Chamou também Caipora e Mboitatá,
Pois em situação tão difícil,
Os amigos precisam ajudar.





Mboitatá cuspiu fogo,
Que nem fogueira de arraiá.
Coisa boa foi Caipora,
Que montado em seu queixada do mato,
Botou de fato os saturninos para dançar.


Quica-aqui, quica-acolá,
Ponham-se fora risinho ruim,
Que Caipora não veio para brincar!

Tamanho salseiro expulsou os coisas ruins. Eles ficaram tão assustados que, por certo,  nunca mais voltarão.  "Que fiquem por lá,  pois aqui, para a maldade, não há mais lugar". Gritou feliz a Formiguinha de Catarro, agora toda corajosa e faceira.
A alegria foi geral. Frida, Marietinha e Joaquina balançavam o rabo felizes em ver os bigodudos irem para o espaço. Pela primeira vez viram de perto o M'boitatá e o Caipora.
"O Curupira tem uns amigos legais!", comentou Joaquina em sua empolgação. Dentro da kombi amarela, as três participaram daquela aventura perigosa em que o Freudão quase foi devorado pelos saturninos bigodudos.
Todos voltaram  para casa aliviados por vencer a luta e por salvar os venusianos da gula maluca dos saturninos de bigode.
Foi assim que os aventureiros conquistaram novos amigos, mesmo Morando distante.
Todas as noites na primeira e na última hora, viam a Estrela D'alva piscando feito lampadinha de Natal.

                Eram os venusianos mandando um tchau! 


CRÉDITOS

Fotos das girafas e gatos, de Sebastião Brasil,  tiradas no Alto da Sé, Olinda, PE/Brasil, através da vitrine da loja Artes do Imaginário Brasileiro. 
As roupas de astronautas são do observatório de Olinda, no Alto da Sé, PE, Brasil. 
As cabritinhas moram todas em Feliz Deserto, AL, Brasil.
A paisagem de Vênus na verdade são as falésias da Praia do Gunga, AL, Brasil.