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2- O mistério do Freud


Num dia em que o sol esparramava serenamente os seus primeiros raios dourados, a gatinha Marieta estava deitada aproveitando a brisa da manhã e muito ocupada com seus pensamentos. Andava cismada e se perguntando o porquê de seu amigo Freud passar os dias numa toca improvisada lá na beira do riacho deixando ela sozinha e com muitas saudades.
Marietinha até entendia que o Freud fosse buscar uma toca segura e quentinha, pois sabia o quanto os gatos adoram toquinhas escuras e silenciosas para tirar sua soneca. 
Ela mesma providenciara algumas para si e dentre elas a casa da árvore era favorita para as tardes. 
Até emprestara ao Freud na esperança que ele gostasse e assim não fosse embora todos os dias. 
Mas não adiantou.



Disse a ele que usasse a toca da manilha, muito bacana também. "Não Marietinha, essas toquinhas são suas. A minha já fiz na beira do rio e é prá lá que vou agora e, por favor! Não quero ninguém indo lá cheirar meu cantinho! A Frida tem o bercinho dela forrado com mantas cheirosas, você tem suas tocas muito confortáveis e eu tenho a minha onde ninguém vai a não ser eu! Continue pelas cercanias convivendo com a Frida e os outros bichos dividindo esse espaço grande e generoso com todos eles, mas me deixe partir!"
Depois, mais calmo, disse: "Você sabe que volto ao anoitecer... Não se preocupe gatinha, garanto que está tudo em perfeita ordem."










Dito isso partiu sem olhar para trás...

As folhas caídas sob o rigor do inverno seco no cerrado, fizeram barulho a cada passo manso dado, enquanto ia embora...
Marieta começava a achar tudo isso muito chato... "O Freudão não gosta mais de brincar comigo, prefere ir para um lugar bem longe". 
Dava pena ver o quanto a gatinha estava triste. 
Mas, não tardou a levantar e, sem sentir pena de si mesma, pensou resoluta: "Sou uma gata e nós, os gatos, somos curiosos por natureza. Vou chamar a Fridoquinha e iremos atrás dele. Precisamos saber o que, de fato, está acontecendo."
Assim pensou, assim fez. 
Encontrou a Frida perto do jardim e tratou de dizer o quanto Freud andava misterioso. 



Conversaram por muito tempo. Quanto tempo não se sabe, mas era um tempo de bicho e não o tempo do relógio de gente.

 Pode ser que no tempo de bicho uma cheirada ou uma lambida seja muito tempo. Durante a conversa julgaram por bem ir até a toca, na margem do riacho, para saber o que estava acontecendo com o Freud.
 Planejaram ir sem fazer barulho, pé-ante-pé, ou melhor, pata-ante-pata... Marieta combinou com a Frida: "vou à frente, num passo macio e silencioso como quando estou caçando lagartixas. 

Venha atrás de mim, mas tenha cuidado para não fazer barulho, pois quando você fica alegre ou satisfeita balança demais o rabo batendo nos galhos das plantas. Se assim acontecer seremos vistas antes da hora e não conseguiremos descobrir o que está acontecendo de verdade. Poderá estragar toda nossa missão."
Frida pensou no quanto é difícil não balançar o rabo, afinal é uma cachorrinha e como todo cachorro ela também balança o rabo. 
Então perguntou com sensatez: "Mas não é mais fácil perguntar ao próprio Freud por que é que ele vai para lá, ao invés de ficar aqui conosco?" 
Marietinha respondeu que sim, mas já tinha perguntado para ele algumas vezes e não obteve respostas. 
Além disso, caso ela perguntasse e ele respondesse com sinceridade as duas perderiam a chance de viver uma boa aventura.


"Pensando bem... Marietinha sabe mesmo tomar as decisões corajosas. Eu topo!" disse Fridoca aos amigos sapos.

Foi logo providenciando um embornal para levar água e lanchinho. Não que ela fosse mula para usar embornal, mas gostava muito de pendurar a sacola no focinho quando saia a se aventurar. 
Caminharam muito e quando chegaram numa vereda ficaram encantadas com o lugar.
"É o lugar mais lindo que já vi – julgou Frida – Lindos Buritis, água limpinha que dá vontade de nadar..." 

A partir daquele ponto elas começaram a ouvir barulhinhos.  como se alguém as observasse. Mas mesmo assim Frida e Marieta mantiveram-se no caminho evitando cuidadosamente ultrapassar os limites da mamãe Suçuarana. 
Às vezes Marieta parava e subia numa árvore alta tentando avistar o Freud. 

Ledo engano! Parece que o temeroso Freud ousara ultrapassar seus próprios medos e embrenhar-se no mato. 


No fundo, no fundo Marietinha estava certa do caminho. Dessas certezas que o olho não vê, mas o nariz e os bigodes de gato sentem. 

Frida concordou. 
Seu faro ia muito, muito, muito longe. 
Tinha um cheirador poderoso. "Sinto cheiro de Freud, ele está à distância de poucas caminhadas..." Mas como se sabe, caminhada de bicho é diferente de caminhada de gente e assim, ao que parece, não tardariam a chegar à toca do Freudão. 
Enquanto percorriam a estreita trilha, possivelmente feita pelas patinhas de um caminhante diário, talvez até as patinhas do próprio Freud, ouviam aqueles barulhos estranhos e fugazes. 
 
 "Olha!Aqui Frida!!!" (uma voz parecia chamar!)
Marieta e Frida não conseguiam identificar de onde vinham esses barulhos insistentes e muito menos de quem partia som tão diferente.         
Às vezes elas pensavam que era um vento forte da chuva que se formava no topo da montanha, mas depois percebiam que o som era breve demais para ser barulho de vento de chuva.
Frida começou a contar " - Naquela região, desde os tempos mais antigos, antes mesmo da existência dos gatos e dos cachorros na terra, havia o M'baêtatá, a coisa com com o corpo de fogo. Ele cuidava de botar fogo nas florestas, quando percebia que algum bicho virava praga e começava a destruir tudo. O mato todo pegava fogo. 


Era bicho correndo para todo lado! Passarinho, preá, lagartixa e tudo mais que tivesse perna ou asa fugia do M'baêtatá. 
As plantas queimavam, mas era só por cima, logo que passava o inverno tudo voltava a ficar verdinho.".
Frida sabia que aquele não era o barulho de M'baêtatá. Estava acostumada a ver e ouvir, nas noites sem estrelas e sem lua cheia, o M'baêtatá brilhando e estalando na mata toda a energia da noite. Tinha medo dele, mas ao mesmo tempo se sentia atraída pelo seu brilho que parecia caminhar pela noite escura.
 "É lindo..." Suspirava Marietinha. "É Lindo! – dizia Frida – Mas não quero encontrar com ele aqui na mata. Vamos seguir em frente que o cheiro de Freud está aumentando naquela direção." E, atentas, continuaram andando no caminho trilhado.
Passaram ao largo de montes e prados. Na borda da floresta do cerrado, cheinha de Ipês amarelinhos como gema de ovo. Não demorou e encontraram a arara Joaquina, a quem pediram informação.
Das muitas qualidades da arara Joaquina a que sobressaia era o dom da fala. Gostava de conversar e fazer amizades com os animais em geral. Às vezes pegava uma reina com o Carcará porque ele vivia querendo roubar seus preciosos filhotinhos. E não fazia isso por achá-los lindos, não, mas queria era colocá-los no papo. "Comer meus pequeninos é que não!" Reclamava a arara muito brava.
Depois de ouvir as histórias de Joaquina, Marietinha e Fridoca foram logo perguntando se ela não vira pelas redondezas um gato preto chamado Freud. – "Ah! Sim, vejo todos os dias quando passa por aqui bem cedinho com sua touca vermelha. 
Vai numa velocidade de ema apavorada. Valha-me Deus! Às vezes só vejo o seu rastro!". Agradeceram dona Arara pela meia porção de prosa, como também a informação sobre o amigo Freud, e seguiram em frente.
Frida matutou muito para entender o que a Arara Joaquina disse, mas não compreendia como é que o Freud poderia ser tão veloz, afinal já era um ancião de dezessete anos de idade. Ele sempre voltava para casa alegre da vida e faceiro, mas tal distância em alta velocidade não seria possível nem para ela que ainda era jovem. Marieta compreendendo os pensamentos da Fridoca ponderou "Também achei que poderia ser mentira da Arara, mas pensei bem e acho que faz sentido. O Freudão anda muito diferente e alguma coisa estranha está acontecendo. Meu sétimo sentido felino me diz que há 'angú nesse caroço', Ah! Sempre confundo... quero dizer Há caroço nesse angú!".
 

Prosseguiram na busca, contudo já  não conseguiam mais andar, quando avistaram a curva do riacho, já doíam-lhes as patinhas e o cansaço tomou conta.
Avistaram, à frente, a toca misteriosa do Freud e era um lugar encantadoramente mágico.

O sol banhava as folhas verdinhas e graciosas embaladas pelo vento e as refletia no espelho d'água. Aliás, que vento gostoso soprava ali...


Foi quando novamente ouviram aquele barulho estranho. Olharam a volta, mas não viram nada.

"Olha!Aqui Marietinha!!!" (uma voz parecia chamar!)



Um bambuzal enorme margeava a pequena lagoa formada pelo riacho. 
Balançava suave acompanhando o movimento do vento estalando vez em quando com o toc-toc , toc-toc característico do som de seus caules batendo um no outro. Decidiram ficar por ali escondidas atrás dos arbustos descansando e, não demorou muito, dormiram.
Enquanto dormiam profundamente, Freud foi para pertinho delas e ali esperou que acordassem.
Durante a espera pensou: "como é possível que, estando todo o tempo ao lado delas, não me viram? Só porque uso um gorro vermelho que não conhecem acham que não estou aqui. Não conseguem enxergar coisas que existem mas não conhecem! Só porque não conhecem não enxergam. Mesmo quando eu estava há apenas uma patinha de distância de seus focinhos"... 
Concluiu com seus bigodes o quanto é difícil enxergar aquilo que não se conhece. 
Elas não precisariam andar tanto para encontrá-lo, bastaria ter olhado melhor à sua volta e certamente o veriam. 
Logo que Frida e Marieta acordaram viram o Freudão sentado ao lado de um enorme cogumelo vermelho de bolinhas brancas. Foi uma alegria! 
A Frida balançou o rabo à vontade para felicitar o encontro e Marieta ficou surpresa com o lindo gorro vermelho e foi logo perguntando: 
"Mas Freud, então é verdade o que a Arara Joaquina disse? Você agora tem super poderes?" 
"Não. Respondeu Freud – É que durante o dia substituo o Saci Pererê, enquanto ele vai para o Sul matar as saudades dos pampas e proteger o gado nos currais. Vou contar a história toda para que saibam o que aconteceu comigo. Já que a curiosidade as trouxe até aqui, o esforço não será em vão. Mas prometam que, tão logo ouçam tin-tim por tin-tim o que vou contar, vocês irão embora, porque o Saci Pererê pode voltar a qualquer instante e ele não gosta de muito movimento."
Sentaram à beira do riacho e Freud começou sua história: "Quando vim aqui pela primeira vez, fugindo daquele movimento de gentes tão estranhas, encontrei este recanto aprazível. Aqui os ventos são mágicos. Eles têm o encantamento do Saci Pererê. Levei um susto no momento em que o Saci me apareceu num enorme redemoinho de poeira que ia do chão até o céu.

Ele gritou algo que, de início, eu não compreendi:                                                                              "Barrbaridaaadee! O que tu fazes aqui guri? Estás perdido ?".

E Freud continuou contando às duas amiguinhas atentas: "Fiquei apavorado, porque não sabia o que era aquilo. No início pensei que fosse um cramulhãozinho fugido da garrafa, mas depois vi que ele era do bem. O mequetrefe gostou da minha companhia e eu gostei da companhia dele. Assim nos tornamos amigos. Me ensinou a ser traquinas, fazer danadices e a espantar caçadores. 
Deu-me esse gorro vermelho igual ao dele, feito de algodão especial lá do Sul, lugar de onde ele veio. É o gorro encantado do Saci Pererê que me dá ligeireza. Transformou-me num Saci e, como ele, cuido de tudo o que é bicho e planta durante o dia. ".
Em seguida, com um jeito bravo, ele falou: "O M'baêtatá que não me apareça por aqui! Estou pronto para enfrentá-lo criando um redemoinho enorme que o levará para bem longe." E assim dizendo demonstrou ventando e gritando:
"Barrbaridaadee tchê!   Espirra e voa!

Depois de tudo, e já de volta ao lar Marieta, sentadinha ao lado de Frida, mal podia acreditar em tudo que viram e cheiraram naquele dia. Enfim, haviam desvendado o mistério do Freud. 
Mesmo nas suas mais ousadas idéias sobre o mistério, ela e Frida jamais poderiam imaginar que um dia o bom e velho Freud seria transformado em SaciFreuderê .
 E assim termina a grande aventura misteriosa do Freudão. 
Créditos:
Informações sobre a música Prenda Minha:  http://elosul.com/site/blog-ver/pt/8