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3 - O Passeio da Frida


          
                
Um dia logo cedinho, quando o passaredo já entoava o canto para chamar o raiar do sol, Marieta percebeu uma movimentação diferente, mas estava tão sonolenta que seus olhos nem se abriram direito

Todo esse movimento era da Frida que, muito animada, andava para lá e para cá, ora pegando seu pijama, ora o cobertorzinho, e quase se esquecera  de pegar mais um ossinho de reserva,  só para saborear quando tivesse fome.
Acordara naquela madrugada decidida a sair para passear. 


Após todos os preparativos vestiu seu lencinho vermelho, passou na casinha da árvore onde Marieta dormia e disse: “Bem Marietinha, assim que voltar do passeio contarei a você e ao Freuderê  tudo em detalhes. Diga a ele que ficarei com saudades..." 
Então, deu um cheiro na gatinha e partiu.
 Marieta sequer teve nem tempo de perguntar para onde Frida ia...
Tudo isso aconteceu logo depois da Chuva do Cajú, no início da Primavera, no dia em que o Carlinhos colheu o primeiro cajuzinho vermelho da temporada...
Carlinhos colhendo o cajuzinho do cerrado! 
Marieta dormia na toca da manilha, sonhando sonhos de caçar lagartixa. Em seu sonho a lagartixa esperta acenava para Marietinha e depois saia correndo, antes de se tornar presa nas garras afiadas da gatinha.
 Mas o sonho tão divertido deu lugar ao sonhar preocupado com a Frida  e logo despertou. “Ai! Como sou curiosa! Preciso saber o que está acontecendo”.

  
Andou pelas redondezas perguntando: “Quem viu a Fridoca?”.
Mas, ninguém  sabia dar notícias... Ficou animada quando viu a Arara Joaquina a quem foi logo perguntando : “Olá Dona Joaquina, a senhora viu a Frida?” “Boa tarde gatinha  - respondeu a arara. O que há?” E Marieta contou à arara que Frida saiu logo cedinho para passear  e  como sentia o cheiro de aventuras resolveu saber cadê a Frida..
      “Uhnn!... Isso é muito bom.” disse Joaquina.E cafungando no ar falou com sua voz rouca de arara: “Não sinto esse cheiro de aventuras que você fala, mas sinto um arrepio gostoso causado pelo vento que passa sob minhas penas e isso para mim é sinal de aventuras no ar. Ajudarei a procurar voando até o   mais distante que puder ir e voltarei com notícias.”
E, Logo dito, voou! E voou para lugares distantes, mas tão distantes que Marietinha não pode mais sentir o seu cheiro. 
Joaquina sobrevoou pastagens, montes, veredas e prados encantadores. O inverno seco terminara e tudo floria. 


Os frutos abundavam no cerrado. Ao pensar nisso Joaquina pousou numa vereda e se fartou com os coquinhos dos Buritis e das Jandaias.










Contornou as nuvens e seguiu em frente. Do alto viu os caminhos e trilhas lá embaixo. 
Movimento aqui e acolá, mas só movimento de bicho do lugar, às vezes um Mico, daí a pouco um Tamanduá Bandeira, viu também o solitário Lobo Guará ruivo como ele só... Uma beleza! Os raros Veados Campestres que ainda viviam por ali e a toca da Suçuarana, encravada na montanha onde estava tomando sol, toda orgulhosa, com a nova ninhada. Mas, Frida mesmo... Não viu não...  Enquanto isso Marieta aguardava ansiosa o final do dia. Queria logo contar ao Sacifreuderê sobre o passeio da Frida. Matutou e perguntou a si mesma: “será que ela foi passear tão longe porque também resolveu virar Sacifridarê?”.

Deixou de lado essa idéia.   Frida era muito delicada e por certo não se adaptaria à vida de Saci. “Mas que interesse inesperado é esse que a fez sair tão cedo?” Se perguntava Marietinha.
Ela viu o sol cruzar toda a curva  do céu para transformar seu azul profundo em tranquila aurora alaranjada, e com a aurora o bom e velho Freud sempre retorna para casa cantarolando:
       "Marieta, Porpeta, Fofeta,
Chereta! Lindoca, Paçoca, Fofoca,
Cheiroca! ".

 Freuderê, tão logo chegou, percebeu que Frida não estava. Soube que a Arara Joaquina voara para os lados da Chapada dos Veadeiros em busca da cachorrinha. Sabendo que as araras se recolhem pontualmente no finalzinho da tarde, então concluiu que àquela hora Joaquim já estaria dormindo nalgum lugar da floresta.


“Talvez até já esteja na cachoeira Santa Barbara.” 
Disse ele à Marieta. “É seu lugar de pouso preferido. Esperemos até o dia amanhecer. Agora é a melhor hora para passear. Ah! Como adoro a noite! E hoje teremos muitas estrelas no céu!”.

E o bom e velho Freud tinha razão, pois naquele instante Joaquina pousava nas pedras da cachoeira.

Cansada, Joaquina recolheu-se num buraco no tronco de Buriti e dormiu a noite inteirinha. 

Na manhã seguinte a alvorada se derramava generosa na Chapada. 
Joaquina parou um instante para ver a luz dourada da manhã e ouvir o passaredo cantar sua alegria para os primeiros raios de sol. 
“Bem, noutro dia voltarei a esse lugar, agora preciso encontrar Frida”. Alçou voo nas fronteiras da Chapada acima da cadeia de montanhas. E de lá  pode ver mais longe. As montanhas olhadas de longe pareciam ser uma barreira ao horizonte, mas quando se pousava nelas, lá no topo... Ah! Como o horizonte se abria!  Lindo. 
Não tardou a ouvir uma cantoria que vinha do sopé da serra. Na beira do córrego a Seriema fazia coro.
“Mas, repara...
                         “Vem ver! Na Chapada dos Veadeiros tem  
Céu estrelado e o mais lindo luar cor de prata,
Só aqui é que tem!
Só aqui é que tem, 
Vem ver..."



Parece a voz da Frida fazendo coro com as outras  vozes...”  Pensou Joaquina. “Ai! Como estou curiosa para saber o que acontece lá embaixo!”.
Desceu do topo da montanha e pousou numa árvore próxima de onde vinha a canção, então Joaquina esfregou os olhos diante do que via, para ter certeza do que se passava. E quando se convenceu pousou  desajeitada e por pouco não caiu do galho.
“Mas o que é aquilo? Eu já tinha ouvido falar e achava que era conversa de assombração! Que as Araras ancestrais me condenem se estiver mentindo!  Mas... mas... mas...  é o Curupira! O Curumin com cabelos de fogo em pessoa! E cá para nós, nunca vi coisa mais esquisita...”.

Refeita da surpresa e emoção, Joaquina viu que com ele estavam a Frida, o Seu Josué, que é artesão e músico na Chapada, e o papagaio Lourival, com interesse pessoal naquele encontro, pois representava seu bando e mais o bando de  periquitos verdes.
Joaquina, ainda sem ser notada,  ouviu o  Curupira dizer:
  “Chapada ‘y Kuá-pe gûirá oby etá. 
Anhanguera sykyîé. Mopanemaetama Kuruca. 
Anhanguera momaranga.  aruru. Iasé-o”.



Dona Seriema, que entendia a antiga língua Tupi, traduziu em voz alta e afinada o dizer do Curupira: “Na Chapada, na enseada do rio, estão muitos pássaros verdes. Eles temem os malfeitores. Reclamam que a terra está imprestável e choram. O malfeitor os faz brigar e estão tristes”.
E o papagaio Lourival, que como todo papagaio adora falar, logo tratou de  contar  toda a história:  “O Curupira despistou os Anhangueras com suas pegadas invertidas. O pé do Curupira é pé virado para trás. Logo o bando de malfeitores, composto por cães danados, correu para o mato fechado, presa, sem achar a saída, como o Curupira queria. Curupira é ser enganador. Faz pistas erradas para confundir a todos que queiram machucar os filhos da floresta”.
Ao descobrir o que estava acontecendo Joaquina tomou o rumo de volta. Queria contar a todos o que viu...Freud e Marietinha esperavam o retorno da arara para saber notícias. 
Sentiam saudades da Frida e a espera por Joaquina parecia uma eternidade...
Freud via  o  sol nascer e espantar a escuridão.   



                      

Enquanto Marieta andava pra lá-pra cá.


Os três amigos, Freuderê, Marietinha e Joaquina, decidiram que era hora de ir até a Chapada participar dessa aventura. 
Freud não teria problemas, pois era um Saci Freuderê e se deslocava na velocidade do vento. Joaquina era um pássaro e voava, mas e a Marietinha?  
            Como fazer para levá-la junto!!!?                                        
A solução não tardou, já que aquelas mentes livres e criativas não se conformariam com o medíocre. Tomaram uma arrojada decisão: Marietinha iria voando nas asas da arara Joaquina!
Freud, tão ligeiro quanto o vento, puxou um fio de seu gorro vermelho de Saci e com ele teceu um cinto de segurança Avançado para Marietinha. E Joaquina, muito empolgada por participar da aventura, pousou suavemente no chão oferecendo suas costas para Marieta se acomodar e voar com ela. E foi assim o primeiro vôo de  Marietinha. 
Lá no alto, junto às nuvens, e com o vento ventando em seu rosto, ela se encantou ainda mais com o mundo.
Algum tempo depois chegaram ao extremo da Chapada dos Veadeiros. Chegaram ao pé da serra e lá estava a Frida, o Seu Josué, a Seriema, Lourival e o Curupira.  Frida se surpreendeu ao ver os amigos.
Estava tão feliz em vê-los, que foi logo chamando a todos para se juntar ao grupo em que gente, bichos e lendário cantavam juntos.
















Há dois dias, animada pelos ventos, Frida  vestiu o lencinho de viagem e partiu rumo a grandes passeios ao ar livre e sem destino, pelo menos foi assim que ela pensou antes de se deparar com uma aventura maior do que ela poderia imaginar... “Saí para passear - começou contando - quando reparei numas pegadas de menino. Fiquei encantada pelas marcas dos pezinhos que pareciam me chamar.


Meu focinho mostrava que eram pegadas especiais, pois quanto mais eu seguia em direção a elas, menos sentia o cheiro do dono daquele pé. Então, percebendo como meus olhos me enganavam, escolhi seguir o meu faro refazendo o caminho inverso.
Ao final concluí o que já me ia às ideias: aquelas pegadas que pareciam vir, na verdade iam. Foi então que meus bigodes se arrepiaram e quando olhei para frente vi o Curupira bem pertinho. Um indiozinho fantástico de cabelos vermelhos igual a chama do fogo, quando pega na madeira e vira brasa incandescente.”.Marietinha ouvia com muita atenção.“Que aventura!" Pensou ela. "Frida não sentiu medo e ficou amiga do indiozinho de pés invertidos. Eu mesma me pélo, quer dizer,  me despêlo de medo do Curupira, que tem fama de pregar peças nas gentes que encontra. Agora estou aqui bem pertinho dele.
“Por enquanto, apesar das minhas patinhas quererem sair correndo, acho melhor ficar e ver o que acontece.
Freud percebeu que, enfim, as coisas começavam a fazer algum sentido. Tomou a decisão de ajudar o Curupira rodopiando como ventania em direção à beira do Rio das Almas, onde a matilha de cães muito bagunceira fora atormentada pelo indiozinho de pés virados. Saci freuderê olhou, entristecido, a sujeira feita pelos malfeitores.E com a mesma rapidez com que ali chegara, virou pé-de-vento e entrou no ventre da mata até encontrá-los numa clareira se escondendo atrás d’um pé de Mimosa.
Observou os cachorrinhos tão levados e agora tão atordoados no meio da clareira onde tentavam, em vão, achar o caminho de volta. Foi então que Saci Freuderê se pôs no meio da matilha desatinada, como um pé-de-vento repentino, e os cães sequer latiram para ele, tão assustados ficaram.
O líder do bando malfazejo viu a chegada da Frida e deu suficiência para tranquilizar a matilha. 
 Mais calmos, com a chegada de uma cachorrinha como eles, ouviram dela o quanto causavam mal aos viventes da mata com seu desleixo.  “Ói Dona Frida, a senhora é uma criatura muito bacana, então nóis tá entendendo e vai respeitá o que de um tudo a senhora falô.”
Marietinha, que estava participando sentada no alto de uma árvore junto com a arara Joaquina  interveio dizendo:
“Quando faço pipi e tôtô enterro cavando suave e macio fazendo um buraco no chão. Depois cubro tudo bem bonitinho com terra. Cuido do que é meu com bom gosto e alguma cerimônia. Afinal toda a natureza tem sua elegância e beleza. Sendo assim não sei para que fazer tanta sujeira na beira do rio. Quem sabe deve servir para alguma coisa? Porque senão não fariam desse jeito...”.
 Lourival, o papagaio, ficou meio sem jeito com o que falou Marieta, mas considerou: “A gatinha, apesar de falar sobre pormenores de sua higiene, está cheia de razão.”. E o Curupira que não sabia falar outra língua senão a língua de índio aplaudiu, pois sabia ouvir e entendia muito bem todas as línguas da natureza. 

Enfim, depois de tudo resolvido, voltaram a cantar alegremente ao som da rabeca do Seu Josué, inclusive a matilha com os cãezinhos já aliviados, depois do grande aperto, e muito animados com a cantoria.
“Vem ver!  “Na Chapada dos Veadeiros tem Céu estrelado E o mais lindo luar cor de prata  Só aqui é que tem,  Só aqui é que tem...”
O Curupira se despediu, mas antes de partir em direção ao mato alto, colheu uma bela Caliandra vermelha e deu a Frida dizendo em sua língua: “M’botyra pirang-a i Porang-a” - que quer dizer Flor vermelha bonita. E o Curupira foi embora. 
Embrenhou-se mata adentro, pois não gostava de conviver com tantos por tanto tempo.
Estando já bem distante ele assoviou um assovio longo e belo para a cachorrinha. Frida ouviu o assovio e ficou feliz pelo amor que recebeu do Curupira.
Voltaram todos para casa. Cansados e felizes depois da fantástica aventuraFrida nunca mais deixou de sonhar com o valente Curupira!  “Vou sentir tanta falta do Curupira! Meu coraçãozinho até dói...”.                              




E assim termina essa história. Cheia de amor no coração.














Créditos

A música cantada pelos amiguinhos é do Sr. Josué, artesão e músico e mora nem Terezina de Goiás, Chapada dos Veadeiros, GO, Brasil.