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10 - Paranã-pucá

Num belo dia o Sacifreuderê ventava lá pelas bandas do Engenho Tinoco fazendo zigue-zague entre as nuvens.
Toda a mata verdinha e fresca balançava quando ele ventava forte só pela alegria de brincar... Até a chaminé da casa de farinha se esgueirava para melhor ele passar. 
E assim se divertia fazendo sacizisses de moleque feliz.De repente, uma rajada de vento contrário lançou um objeto direto em sua cabeça fazendo ele cair em cima de um Mandacaru espinhento. Pobre Freuderê!

“Mas que barbaridade!” Reclamou com seus bigodes “Parece coisa de algum Saci danado querendo fazer peraltices comigo! Aiii! Como esses espinhos me doem!”. Por fim livrou-se do Mandacaru espinhento e, ainda tonto e dolorido da queda pegou o objeto que o atingira certeiro para ver o que era... Viu um lindo livro grande e antigo com muitos desenhos coloridos, como aqueles do mapa do tesouro usado durante a aventura Um tesouro de Saci Mas esses mapas do livro...
Ah! Que belezura! Eram muito mais bonitos e antigos do que o do tesouro. Tratou de Ventar até em casa, com a impressionante velocidade de Saci apressado, levando consigo o livro de capa marrom. Assim que chegou viu Marietinha tomando solzinho no muro do jardim. Um solzinho moroso e doce de outono, reconfortante até mesmo para algumas pulguinhas saltitantes que teimavam em provocar coceirinha atrás de suas orelhas.

Freuderê não perdeu tempo e foi logo contando sobre como o velho livro o atingiu em pleno voo e o fez cair. “Que história curiosa...”, pensou a gatinha, “mas o que faremos se não compreendemos o que esse livro diz? Melhor pedir ajuda à coruja Judite, pois ela sim saberá seu significado...”.
Logo dito, logo decidido. 
Saíram juntos à procura de Don'Judite lá no manguezal,  mas em seu lugar encontraram um bilhete escrito numa tela sobre o cavalete  com o seguinte aviso:  "Saí e vou demorar. Não perca seu tempo a me esperar!".


O Sacifreuderê não se conformou em esperar ela voltar. Então usou seu ótimo nariz e seguiu a coruja pelo cheiro.
Andaram cafungando aqui, cheirando ali, e não demorou muito até a encontrarem, no alto da enorme pedra, pintando o auto retrato.

A coruja estava tão concentrada fazendo sua arte, que nem percebeu a chegada dos dois amigos.   "Oh Don'Judite! Ôoh Don'Judite. .." Chamou Marieta até que a coruja atentou...

Sacifreuderê, sem perda de tempo, tratou de mostrar o livro de mapas para ela que, com ares de doutora concluiu: "Uumm, uhn. .. hãn hãn!  É um livro de mapas antigo!".

"Mas Don'Judite,  isso nós já sabemos." Falou o Sacifreuderê. 
"Bem” - respondeu a coruja. “sendo assim contarei a vocês a história de um tempo passado, mas, no entanto aqui presente através desse livro.
Os livros são os guardiões da memória e, o que neles se escreve, mantém-se na imaginação de quem se atreve a ler e conhecer... Como vocês têm a natureza curiosa, a memória desse livro os encontrou. Por isso foi atirado no Sacifreuderê, para ser lembrado e revivido por quem tem sentidos aguçados e imaginação.”.
“Agora vou contar a história: Houve um tempo em que por aqui viviam corujas, índios e outros bichos”.

 “E os gatos?" Perguntou Sacifreuderê. "Os gatos só vieram quando a Família Imperial Felina aqui desembarcou, vinda de terras longínquas, para a nobre função de combater os ratos trazidos pelos navios.”
Marietinha ficou feliz em saber que seus ancestrais vieram em nobre missão, e passou a gostar ainda mais da história que Don'Judite contava. Imaginou a família felina viajando em uma nau pelo imenso mar.

A coruja continuou contando a história:
“Os índios viviam alegres, pois gostavam de cantar, plantar e tomar banho no Paranã - o mar. Até que um dia chegou quem eles julgaram ser o Maíra, deus vivo do conhecimento civilizado. Contudo, não era só um Maíra, eram muitos. Eram os franceses. Também vieram os Perós em imensas naus da rica Coroa Portuguesa. Deles os índios não gostaram nem um pouco, mas mesmo assim eles ficaram morando aqui para sempre. 
Não demorou muito tempo vieram também enormes navios holandeses. E foi então que o bicho pegou, quero dizer, a coisa se complicou. Chegaram tomando as cidades e os canaviais dos Índios e dos Perós. Foi uma confusão só. Ergueram fortalezas e cidades nas muitas praias do Brasil, até mesmo na praia onde mora a vovó! E esse livro de mapas foi feito nessa época.”. 
O Sacifreuderê disse entusiasmado: "Mas, que barbaridade! Nunca ouvi nada igual. Que baita aventura!”.


E Don'Judite continuou: "Agora, o melhor a fazer é seguir as indicações do mapa marcadas com os desenhos de gorro de saci.
 Estas pistas certamente foram colocadas por quem o lançou na sua cabeça, Freuderê. Vejam! Olhem isto! Reparem o primeiro gorrinho! Ele foi pintado na casa da vovó,  o segundo indica a entrada de um túnel. O último gorro está no Forte Orange. Irei com vocês! Não perderia por nada essa viagem através da história.”."Forte Orange? - se perguntou Marietinha - nunca ouvi falar desse lugar..." 
A coruja apontou para o mapa dizendo: “Encontraremos a entrada do túnel secreto, passaremos pela Villa de Olinda, depois atravessaremos de barco o Rio Timbó até chegar ao Forte Orange.” Concluiu a coruja.
Marietinha lembrou: "É em Olinda que a Fridoquinha está passeando com a vovó! Assim poderemos encontrar com ela no caminho.".
E esperançosos pela possibilidade de encontrar a Frida, começaram os preparativos dando início à aventura.  
Sacifreuderê ventava prá lá, Marietinha corria prá cá, com seus coraçõezinhos cheios de alegria, mas Don'Judite falou: " Calma pessoal, antes de partir precisamos chamar o Morcego Mocorongo. Ele irá conosco!". 

Num instante o corre-corre acabou. Marietinha não gostava nada nada desse morcego e disse: "Não, Don'Judite, eu não gosto do Mocorongo, porque todas as noites ele voa  sobre as nossas cabeças e quase nos acerta as orelhas!" 

A coruja falou ser esta a qualidade do Mocorongo que iria ajudar, quando andassem pelo túnel escuro e desconhecido. “Por voar no escuro e sem olhos para enxergar, ele tem um jeito bem melhor de se orientar no túnel secreto: ele se guia por um radar ultra sonoro!"
Marietinha pensou: “Se ele não olha, então como poderá saber onde está?”. Ponderou, então, que no final das contas levar junto o Mocorongo poderia resultar em aprender a ver o mundo sem usar os olhos. Assim resolveu trocar o não gostar dele pelo conhecer nele essa peculiaridade. 
"Só sei – Ela pensou com seus bigodes - que agora, mesmo não vendo Mocorongo aqui, já consigo enxergar ele diferente..." E assim, juntou-se a Don'Judite e ao Sacifreuderê na procura pelo morcego.
Encontraram Mocorongo dormindo todo encolhidinho e pendurado de cabeça para baixo no escuro fosso da caixa d'água e foi muito difícil fazer com que acordasse. Mas, enfim, depois de tanto ouvir lhe chamar, Mocorongo abriu as asas e se pôs de pé para entender o que estava acontecendo. 
Freuderê, quando viu Mocorongo, falou com seu sotaque gauchesco: "Vejam só! O mequetrefe dorme de cueca samba canção enfeitada com estrelinhas douradas! Mas que barbaridade guri!". E o morcego sonolento nem ligou para a troça do Saci.
“O que querem comigo a essa hora do dia? Preciso dormir...”. Disse Mocorongo aborrecido, enquanto voava se aproximando de Don’Judite.
A coruja contou a ele todo o plano, desde o início, quando o Sacifreuderê foi atingido pelo livro em pleno voo e quando decidiram seguir o mapa até o Forte Orange. 
Don’Judite falava e falava, e contava e recontava com detalhes toda a história sobre os índios, perós, maíras e holandeses. O morcego, já impaciente com toda a falação, aceitou ir com eles, numa tentativa de abreviar a conversa. Afinal, percebeu que precisariam mesmo dele para atravessar o túnel longo e escuro.
Então surgiu um problema. Mocorongo disse que Marietinha não poderia ir, pois teriam que voar. " Ela não tem asas, por isso não conseguirá nos acompanhar." 
Mas o Sacifreuderê não perdeu tempo e com o fio do seu gorro de Saci teceu um lindo par de asas para Marieta voar com eles.

Contudo, Mocorongo estava cismado: " Agora que Marieta tem asas vai conseguir voar e me pegar com suas garras afiadas."

Ao que Marietinha respondeu: "Não se preocupe Mocorongo, não vou comer você. A partir de agora seremos fiéis amigos." O Mocorongo achou muito esquisito. Nunca aventara na possibilidade de um dia ter gatos como amigos. "Mas - pensou ele - parece que na casa da vovó essas excentricidades acontecem. Depois dizem que eu é que sou excêntrico!" E logo respondeu:  "Vá lá! Eu topo!"
Os quatro amigos partiram da casa da Vovó seguindo o mapa em direção nordeste. 
Aproximaram-se de uma cidade e viram, no alto do morro, a igreja indicada no mapa.
Voaram até Porto do Calvo e quanto mais adentravam na cidade, mais as pessoas pareciam diferentes no vestir e falar.

Lá encontrariam o portal de acesso ao misterioso e lendário túnel secreto. Caso de fato o encontrassem, poderiam chegar mais rápido ao seu destino.
Ao entrar na igreja eles procuraram o acesso pelos quatro cantos e, após algum tempo, encontraram um alçapão atrás da pia batismal. 
Os corajosos amigos o abriram e era tão escuro lá dentro que Marietinha compreendeu porque precisariam tanto do Mocorongo. Seguiram viajem, na escuridão do túnel, a caminho do Forte Orange, confiantes na capacidade de orientação do morcego. 
Não faziam idéia que, nesse momento, Frida passeava com a vovó subindo juntas a Ladeira da Misericórdia em Olinda. 
As duas passeavam tranquilamente sentindo a deliciosa e fresca brisa vinda do mar e tão distraída, a Frida, nem percebeu que uma brilhante pirilampo pousou sobre o coqueiro, em plena luz do dia, sem se importar com a sua natureza que é a de só brilhar à noite...
Frida não viu a brilhante pirilampo, mas viu surgir, sabe-se lá de onde, pessoas vestidas com roupas diferentes e com modos diferentes. Ela queria muito saber que novidade era aquela.

Cheirava aqui e acolá, olhava para todos os lados, mas continuava sem saber por que as pessoas, mesmo as conhecidas, se vestiam daquela maneira tão exótica. 

“Se Marieta e Sacifreuderê estivessem aqui me ajudariam a decifrar esse mistério.”. Pensou cismada. O que ela não sabia é que eles já estavam a caminho do Forte Orange participando da mesma aventura de acontecimentos misteriosos...

Frida, então, viu uma luz pequenina se aproximar. 
Era a Pirilampinha vinda do coqueiro. 
Pousou em seu dorso e, ali pousada, se pôs a falar sobre o passado retornado, ou o futuro retroagido? Tanto faz! O que importava era que as pessoas diferentes que Frida via nas ruas da cidade, eram de uma época muito remota na historia daquele lugar.
O pequenino ser brilhante contou que naquele momento uma grande batalha acontecia perto dali. O povo da terra estava em luta para recuperar e proteger o território do Paranã Pucá, tomado pela grande companhia holandesa. Esclareceu que apesar dos holandeses terem construído belas cidades e trazido muitos artistas que enriqueceram Paranã Pucá, intentavam dominar o comércio da cana de açúcar, o ouro doce gerador de riquezas. Concluiu dizendo: " Se isto é bom, ou ruim, não sei dizer, mas tem que ser como foi e por isso vim buscá-la.".  
Fridoquinha já estava desconfiada daquele inseto brilhante de patinhas inquietas...Como sua curiosidade era maior que seu espanto, perguntou: "Mas Pirilampinha, como irei até lá? Nem sei onde fica! aliás, não tenho nada a fazer lá e também nem sei quem você é...”. A pequena pirilampo se apresentou: “Meu nome é Providência. Preciso levar você até o Forte, onde encontrará seus amigos. E é só o que posso dizer. De mais, você mesma verá!”.   
Então, sem mais esperar, a simpática Providência levou Fridoquinha de Olinda ao Forte Orange voando na velocidade da luz. 
“Isso sim é velocidade!” Pensou Frida entusiasmada quando se viu, de um momento a outro, num lugar diferente.
Enquanto Frida chegava ao Forte Orange o Sacifreuderê, Marietinha, Don'Judite e Mocorongo avançavam pelo túnel que também os levaria até lá. No trajeto eles passaram por um batalhão levando tochas para iluminar o caminho e ouviram o comandante chamado Henrique Dias converssndo com seus soldados: "Vamos reforçar a guarda do forte. Os valentes Comandantes João Fernandes, Felipe Camarão e André Negreiros nos aguardam para lutarmos juntos pela retomada de nossa terra. Expulsaremos os holandeses que para cá vieram em busca do nosso ouro doce - a cana de açúcar - e, com a vitória nesta longa e dura guerra, nossas famílias poderão viver em paz.
E direi em carta aos invasores: 

"Meus senhores holandeses... Saibam Vossas Mercês que Pernambuco é minha Pátria, e que já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui haveremos de perder as vidas, ou havemos de deitar a Vossas Mercês fora dela. E ainda que o Governador e Sua Majestade nos mandem retirar para a Bahia, primeiro que o façamos havemos de responder-lhes, e dar-lhes as razões que temos para não desistir desta guerra.".

"Uhum... Então é isso!" Falou Don'Judite. "Estamos voltando no tempo para um passado distante. Preparem-se amigos, pois tudo indica que do outro lado do túnel encontraremos o passado retornado no momento da Insurgência - A bela luta que uniu povos diferentes na defesa das terras que formaram o Brasil. Desconfio que fomos convocados para essa guerra..."
Não tardaram a chegar  ao fim do túnel.

Lá fora o sol brilhava forte e todos protegeram os olhos encandeados pela intensidade da luz. O Mocorongo, dentre todos, era o que mais sofria. Para esse serzinho  da noite a luz e o calor do sol causavam grandes tormentos.  "Estou freveno de calor e brilho!" Disse o calorento morcego."Não se diz freveno Mocorongo, mas fervendo." Ensinou Judite. Ao que o Morcego respondeu: "Eu não sei falar fervendo então falo freveno.". 
Marietinha achou muito engraçado o dizer do Mocorongo, mas escondeu o riso para não magoá-lo, afinal ela via a aflição do morcego quicando feito pipoca na areia quente ao mesmo tempo em que se abanava sem parar. Ela pensou, pensou... E resolveu fazer para ele uma sombrinha com pétalas das flores encontradas ao redor. 
Sob a proteção da sombrinha, Mocorongo já não frevia mais. "Que alívio! agora tenho uma sombrinha para frevo!" Assim, Mocorongo, que pulou feito pipoca nas areias quentes da praia de Maria Farinha, inventou uma dança arretada de boa para dançar com a sombrinha em mãos,  digo, em garras. 
Sem querer, ele e Marieta criaram a bela e alegre dança do frevo em Paranã Pucá. 
Depois de breve descanso eles viram o batalhão sair do túnel e embarcar no navio português. Voaram rápido para junto deles pegando uma carona e navegando  na foz do rio Santa Cruz de uma margem à outra. 
Enquanto isso, lá no Forte Orange...
  
 Tudo fervilhava em meio aos Canhões. Os soldados corriam para se colocar em posição de ataque. Havia muita fumaça fora dos paredões do forte provocada pelas barricadas erguidas em frente ao portão de entrada para barrar qualquer inimigo com intenção de entrar e atacar. 

E Frida, recém chegada viu um rapazinho africano, escravizado para trabalhar nos canaviais do Brasil. 
Um dia, Ouvira falar de um bando de macacos que pegava cachorrinhos desavisados para escravizar e sentia muito medo que um desses macacos aparecesse e a levasse como escrava do bando, assim como fizeram com a família daquele garoto valente que acabara de ver, naquele momento, lutando como soldado nas linhas brasileiras e junto com ele também índios, portugueses e tantos outros estrangeiros que aqui ficaram para morar. Foi um tempo difícil, pois a solução de escravizar uma outra vida em benefício próprio era de abuso comercial. Fridoquinha não gostou nada, nada de ver essa situação e pensou "Como alguém pode tirar outro alguém de onde nasceu e colocar para trabalhar sem nada receber em troca a não ser maldades!".  
Tudo precisava ser conquistado, mas Paranã-Pucá retribuia com a beleza das praias, a exuberância das matas e generosidade dos rios.
Não tardou até que os comandantes reunidos a vissem, e ao fazê-lo, ordenaram que ajudasse Don`Ana, a Senhorinha do Engenho, que observava atenta ao movimento dos navios holandeses se aproximando do Forte, ao mesmo tempo em que manejava o canhão, no pátio da bateria de artilharia.  
Os holandeses avançavam rápido com seus navios de guerra, na tentativa de retomar o Forte Orange perdido na última batalha contra os insurgentes.

A corajosa cachorrinha não perdeu tempo e, obedecendo a ordem do comandante João Fernandes, subiu até a bateria. E qual no foi sua surpresa, quando viu o amigo Curupira pintado para a guerra ao lado de Ana,  a brasileirinha. 


"Anauê anãmapia! Xé mameara Frida. Kuçucuí ypyoca poranga, Paranã pucá!Disse ele ao ver sua querida amiga Frida chegar. 

O que na língua portuguesa significa: "Bem vinda amiga do coração! Eu lembro com saudades. Eis a bela terra natal, Mar com buracos.".
Dona Aninha Paes estava atenta aos movimentos dos navios no mar e os viu em perigosa aproximação.  
Avisou: " Os navios holandeses estão se aproximando perigosamente! Já é possível ver suas bandeiras! Mas, olhem! A nau da Coroa Portuguesa ganhou dianteira e não demorarão a aportar!"
Era o navio trazendo as tropas do comandante Henrique Dias e mais os nossos amiguinhos vindos do futuro que pegaram uma carona. 
Logo atrás deles dois navios da frota holandesa se aproximavam rapidamente para tentar capturá-los. Mas o nosso herói Sacifreuderê fez logo um vento forte para movimentar as velas do navio aumentando, assim, a velocidade do navio e deixando para trás os holandeses.

Logo que aportaram no Forte Orange, os bravos soldados ficaram em prontidão aguardando a ordem de atacar.  

Mocorongo foi o primeiro a desembarcar.Voou rápido para a capela do forte, onde se escondeu do sol e do barulho de canhões e dormiu pendurado no teto da sacristia. 
O Sacifreuderê foi convocado para ajudar o comandante João Fernandes junto a um canhão.   
D'on Judite foi ao encontro de Frida e Curupira e logo arranjou tarefa de guerra para ajudar Aninha do Engenho.
E Marietinha...
Não havia mais tempo. Os navios holandeses já estavam tão próximos que a batalha começaria a qualquer momento.  
"Olhe Sacifreuderê! Veja como os holandeses estão se aproximando! 
E com que rapidez navegam sobre as vagas marinhas!
Tomemos posição de ataque, pois não permitiremos seu desembarque na praia.".
Disse o comandante resoluto, enquanto apontava mostrando os navios inimigos.
O Sacifreuderê assuntava para saber o que fazer. Ao mesmo tempo que sentia muito medo da batalha, também compreendia que lutar seria necessário para proteger o território do Brasil, e lembrou o que sempre acontece com ele próprio:
"Quando outro gato vem fazer xixi na casa da vovó,
Pra tomar nosso lugar, 
Armo logo uma contenda 
Pro mequetrefe se acautelar.
Primeiro danço um rasteado paraguaio 
Para impressionar e me aquecer. 
Depois, para melhor fustigar,
Vento ventanias à perder.
Por fim  dou uma carreira 
No já atordoado invasor!
Que, com tamanho pavor, 
Nunca mais virá ousar.
Afinal, a terra da gente é sagrada. 
Ninguém pode se adonar e abusar! 
Pois, se tem uma coisa que me afubela,
É alguém pegar o que não é dela!
Baaarrrbaridade!  Que já me inflamei só de lembrar!
Preciso ajudar os bravos dessa guerra.
Que venham os holandeses pra ver onde é que vão parar.
E nem percam tempo se não souberem lutar.
Indios, africanos e europeus conosco poderão contar.
Me tomem como irmão!
E quem não gostar, 
Que vá lamber sabão! "
Sacifreuderê, convencido e encorajado pelas próprias lembranças, ficou junto aos Comandantes João Fernandes, Felipe Camarão, André Negreiros e Henrique Dias todo o tempo. Ajudou com a munição e ventou vento contrário atrasando os navios inimigos.
Em meio ao preparo para a batalha, ninguém percebeu a ausência de Marietinha... É que, enquanto cada um buscou um canto, Marieta andou por todo o forte, curiosa que é,  quis ver e conhecer tudo.
 Descobriu como as pessoas viviam naquela época, o que comiam, como se vestiam. Se encantou com o perfume das frutas, com o cheiro do melado vindo do engenho distante.Viu o padre girar o rosário ajoelhado diante do altar da capela e  a mulher cuidando dos afazeres. 
Por fim, cansada de tanto andar, Marieta acomodou-se na muralha que protegia o forte e esperou tudo passar. 
Logo a Providência veio lhe fazer companhia. 

Era chegada a hora da batalha infernal. Todos temiam as consequências, mas a coragem surgiu em cada um pela necessidade de proteger a terra mãe.  
O que ninguém esperava, exceto a Providência, é que Judite sairia voando em direção à esquadra holandesa. 
E foi assim que aconteceu:
A coruja aloprada voou rasante sobre os navios e começou a dar bicadas na cabeça dos soldados holandeses impedindo, assim, que eles atirassem contra o forte. Curupira não perdeu tempo e pulou para a vela do navio e quando os soldados o viram lá no alto ficaram tão apavorados com o indiozinho de pés virados e cabelos de fogo, que deram meia volta e fugiram sem coragem de olhar para trás.
Graças à perspicácia da coruja a batalha do Forte Orange foi vencida pelos insurgentes do Brasil sem machucar ninguém. Com a ajuda da Providência os comandantes puderam contar com a bravura da Coruja Judite e todos os amigos da Marietinha.
Para comemorar a vitória fizeram uma festa no terrapleno principal do forte. 
Ana, a senhorinha de engenho, e o comandante João Fernandes deram as mãos reconhecendo o seu amor. 
Curupira e Fridoquinha, mesmo tão diferentes na espécie, se amavam. Por isso, a Providência, que por sua vez se apaixonara pelo excêntrico Mocorongo, interferiu para diminuir a dor do amor impossível deles dois dando a Fridoquinha os poderes elementais da luz e velocidade. Dessa maneira ela seria tão diferente quanto o Curupira e toda a diferença entre eles os aproximaria.  
A partir de então, Fridoquinha passou a se chamar Profridência e ganhou duas anteninhas e uma luzinha de pirilampo. 
Chegada a hora de partir. 
Despediram dos novos amigos que ficariam no passado e na volta para casa a Profridência foi à frente iluminando o túnel escuro.  

Estavam felizes por viver essa aventura juntos e chegaram à casa da vovó, que já andava preocupada com o sumiço deles. 


Créditos:


1- O cachimbo usado na historinha pelo Comandante João Fernandes, faz parte do acervo do Museu Cinco Pontas no Recife e foi usado pelos soldados holandeses na época da guerra de verdade.  

A vovó agradece as historiadoras do Museu que permitiram tirar a foto de um antigo cachimbo holandês dos soldados que lutaram naquele forte.
2- O atlas é de João Teixeira Albernaz, 1627, acervo da Biblioteca Nacional da França, Paris.











 

3- trecho da Carta de Henrique Dias ao Rei de Portugal